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REsp nº 1.707.405 - SP (2017/0285776-3)


EMENTA: DIREITO CIVIL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. PERECIMENTO DO BEM EM INCÊNDIO. IRRESIGNAÇÃO SUBMETIDA AO NCPC. ENTREGA DAS CHAVES EM MOMENTO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS NO PERÍODO CORRESPONDENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Discute-se nos autos a exigibilidade dos aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu o imóvel locado e a efetiva entrega das chaves pelo locatário. 3. A locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária, isto é, tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade. Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a manutenção do contrato de locação. 4. O mutualismo que está na base dessa relação jurídica pressupõe, necessariamente, a existência de prestações e contraprestações recíprocas, sendo certo que a quebra desse sinalagma pode configurar enriquecimento sem causa vedado pelo ordenamento pátrio. 5. Recurso especial provido. (grifei).



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Cingiu-se a controvérsia a definir se os aluguéis são devidos até a data do incêndio no imóvel ou até o dia da efetiva entrega das chaves.


As partes celebraram contrato de locação comercial tendo por objeto imóvel que veio a ser destruído em incêndio ocorrido aos 4/8/2012, tendo a locatária requerido a extinção do negócio jurídico apenas aos 21/1/2013, quando efetuou a devolução das chaves.

O locador propôs execução contra a locatária e seus fiadores, cobrando os seis meses de aluguel vencidos no período assinalado (do incêndio até a devolução das chaves).


O diploma locatício não regula, de forma expressa, a situação retratada nos autos.


O artigo 5º da Lei do Inquilinato afirma que a locação termina em decorrência de desapropriação, com a imissão do expropriante na posse do imóvel. Nos termos do artigo 6º, o locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias. O artigo 7º estabelece, a seu turno, que o usufrutuário ou fideicomissário pode denunciar a locação nos casos de extinção do usufruto ou de fideicomisso. O artigo 9º assevera que o contrato de locação pode ser desfeito por acordo mútuo (inciso I), em decorrência de prática de infração legal ou contratual (inciso II), em virtude do inadimplemento (inciso III), ou para realizar reparos urgentes determinados pelo Poder Público e que não possam ser executados com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, quando ele se recusar a consenti-las (inciso III).


Assim, muito embora a Lei nº 8.245/1991 não estabeleça que o contrato se encerra pelo perecimento do imóvel, descabe afirmar que as hipóteses contempladas por ela constituem um rol taxativo ou que, a partir dessa conclusão, seja possível extrair, segundo uma interpretação a contrario sensu, que a locação continuaria vigendo a despeito da perda total do bem. Se a norma de regência não traz solução para o caso, está configurada hipótese de anomia, cuja solução, nos termos do artigo 4º da LINDB, deve observar a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.


Com efeito, na situação descrita revela-se razoável, de acordo com o artigo 4º da LINDB, aplicar o princípio geral do Direito identificado pelo brocardo latino res perit domino e também pelas regras contidas nos artigos 77 e 78 do CC/16, verbis:

Art. 77. Perece o direito, perecendo o seu objeto.
Art. 78. Entende-se que pereceu o objeto do direito: I – quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico; II – quando se confunde com outro, de modo que se não possa distinguir; III – quando fica em lugar de onde não pode ser retirado.

O objeto do contrato de locação, como se sabe, não é exatamente a coisa ou prédio locado, mas o uso ou a fruição que deles se faz. Nada obstante, o perecimento da coisa ou do prédio extingue a locação, porque não há mais possibilidade de cobrar aluguel pelo uso ou fruição de um bem que não mais existe ou que não mais se presta à locação.


Muito embora o Código Civil em vigor não tenha reproduzido a redação do artigo 77 do CC/16, é possível observar que a mesma racionalidade daquela norma subsiste no artigo 1.275, IV, do CC/02:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: [...] IV - por perecimento da coisa;

Descarte, se a locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária, é possível afirmar que ela tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade. Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a exploração econômica dessas faculdades da propriedade por meio do contrato de locação.


Ora, tratando-se de contrato oneroso e bilateral, como é o caso do negócio jurídico em testilha, a impossibilidade de exploração útil do bem deve implicar, de ordinário, o encerramento do contrato, com a isenção do pagamento do aluguel e seus consectários.

O mutualismo que está na base dessa relação jurídica pressupõe, necessariamente, a existência de prestações e contraprestações recíprocas, sendo certo que a quebra desse sinalagma pode configurar até mesmo enriquecimento sem causa para um dos contratantes.

Em síntese, o perecimento do bem alugado, implica a automática extinção do contrato de locação e, por conseguinte, impede a cobrança de aluguéis.


Ressalte-se que referida consequência se impõe independentemente de o incêndio que destruiu a coisa ter sido causado pela locatária, por caso fortuito ou por fato de terceiro. É que, mesmo na eventualidade de se comprovar culpa da locatária, o locador/proprietário do bem fará jus a perdas e danos, e não propriamente aos aluguéis.


Até se pode admitir que, nesses casos, uma parte da indenização devida, relativa aos lucros cessantes, coincida com os aluguéis que vinham sendo auferidos com o contrato de locação, mas essa coincidência se dará apenas com relação a expressão econômica da condenação imposta, uma vez que sua fundamentação será o ato ilícito consistente na destruição culposa do bem, e não propriamente o contrato de locação.


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