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Direito das coisas

Direito das coisas é o conjunto de normas que regulam as relações jurídicas que envolvem coisas que podem ser apropriadas pelo homem, ou seja, coisas sobre as quais o homem pode exercer domínio. Nem todas as coisas que existem podem ser apropriadas pelo homem, mas as que podem é do interesse do direito.

Coisa é o gênero do qual bem é espécie. Coisa é tudo que existe objetivamente, a não ser o próprio homem. Bens são coisas que podem ser apropriadas e contêm valor econômico, como um imóvel, por exemplo.

O direito das coisas abrange o estudo dos direitos reais, da posse, dos direitos de vizinhança e condomínios.

1. Direitos reais

Deve-se entender os direitos reais como um poder que permite ao seu titular a dominação sobre uma coisa. Se você é titular de um direito real então você tem domínio sobre alguma coisa.

A propriedade, por exemplo, é um direito real. Se eu paguei por um imóvel, assinei a escritura pública de compra e venda e a registrei no Cartório de Registro de Imóveis, eu me tornei proprietário desse bem, ou seja, me tornei titular do direito real de propriedade sobre esse imóvel. Como titular de direito real de propriedade, passei a ter domínio sobre o imóvel que comprei, podendo usar, fruir (obter vantagens), dispor (vender, doar, dar em garantia) e reaver o imóvel das mãos de quem quer que esteja. Há uma subordinação do imóvel a mim, ou seja, uma subordinação da coisa ao titular de um direito real.

Os direitos reais são caracterizados pelo seu absolutismo, pela publicidade que lhes é dada, pela sua aderência à coisa, pelo direito de sequela, pelo direito de preferência nas garantias, pela sua taxatividade e tipicidade, e pelo princípio do desmembramento.

1.1. Princípios fundamentais dos direitos reais

Vamos aos princípios dos direitos reais:

a) Absolutismo: ninguém deve perturbar o titular no exercício do seu direito real, já que os direitos reais são exercidos erga omnes, ou seja, é um direito exercido contra todos.

Os direitos reais apresentam uma relação jurídica entre dois sujeitos e a existência de uma coisa, que é o objeto sob o qual o titular exerce domínio.

De um lado dessa relação jurídica há o titular do direito real, como o proprietário de um imóvel ou um usufrutuário, por exemplo. Este sujeito tem poder sobre uma coisa (o proprietário exerce domínio sobre um imóvel, por exemplo).

 

De outro lado dessa relação jurídica temos um sujeito indeterminado, que é a coletividade, ou seja, todas as pessoas do mundo. Por isso dizemos que os direitos reais são oponíveis erga omnes, ou seja, contra todos, pois cria uma relação jurídica entre o titular de um direito real e toda a coletividade. Quando uma pessoa se torna proprietário de um imóvel esse direito é tido como de conhecimento de todos, e ninguém pode ir contra isso.

Assim, o absolutismo dos direitos reais tem a ver com todos serem vinculados a uma atuação negativa: a de não perturbar o exercício do direito real pelo seu titular. Qualquer intromissão não autorizada por lei representa uma violação aos direitos do titular.

Exemplificando: a partir do momento que eu registro a escritura de compra e venda de um imóvel que comprei, me torno proprietário desse bem (sujeito determinado – Jair Rabelo é proprietário do imóvel X) e passo a ter os poderes de usar, fruir, dispor e ainda reivindicar o imóvel das mãos de quem quer que esteja. Todos (sujeito indeterminado – a coletividade) têm que respeitar isso, ninguém pode perturbar o exercício desses meus poderes sobre o imóvel que comprei. Por isso, podemos dizer que, quando se torna titular de um direito real, cria-se uma relação jurídica entre o titular e toda a coletividade. No caso do direito real de propriedade, por exemplo, é como se ao registrar a escritura de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis toda a coletividade passasse automaticamente a saber que o comprador se tornou titular do direito real de propriedade e se comprometessem a não perturbar o exercício desse.

Quando alguém, que pertencente a coletividade, ou seja, qualquer pessoa, viola esse dever de não interferir, de se abster de praticar atos que atrapalhem o titular de um direito real exercer o seu domínio sobre a coisa, o sujeito passivo coletividade torna-se determinado, pois uma pessoa se destacou da coletividade e interferiu nos direitos do titular (dentro da coletividade destacou-se José, que se diz proprietário do imóvel mas não é) e o titular do direito real pode tomar as medidas cabíveis contra ele.

Contudo, importante entender que o absolutismo dos direitos reais não é um poder ilimitado de seus titulares, pois há uma ponderação de valores com a função social da propriedade, como veremos mais à frente.

 

Assim, as relações jurídicas de direitos reais são entre pessoas (o titular do direito real e a coletividade). Não existe relações jurídicas entre pessoas e coisas. O que há é um direito sobre a coisa (jus in re), uma relação caracterizada pelo ter poder sobre um bem (domínio), havendo uma situação de submissão do bem ao titular do direito real.

b) Publicidade: como visto, os direitos reais são oponíveis erga omnes (um direito contra todos). Surge daí o princípio da publicidade para os bens imóveis, pois se os direitos reais podem ser exercidos contra todos, a coletividade tem que ter conhecimento da existência desses direitos e da sua titularidade. Não se pode exigir conhecimento daquilo que não se publica.

Essa publicidade se dá no Cartório de Registro de Imóveis. Vale dizer, os direitos reais sobre imóveis só se adquirem com o registro.

“Art. 1.227 do Código Civil. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Os direitos reais só podem ser exercidos contra todos porque são públicos, ou seja, o registro torna possível o conhecimento por todos de quem são os titulares de direitos reais sobre cada imóvel. Para isso, basta expedir uma certidão de matrícula no Cartório de Registro de Imóveis onde o bem foi registrado e saberá quem são os titulares de direitos reais sobre o imóvel pesquisado. Dessa forma, se é o meu nome que consta na matrícula do imóvel como proprietário, não existe possibilidade de alguém conseguir perturbar o meu  direito de propriedade se dizendo o verdadeiro proprietário, já que não é o seu nome que consta nos registros.

Assim, os direitos reais são públicos. Se assim não fossem, não haveria como atender ao princípio do absolutismo, já que ninguém pode ser obrigado a respeitar um direito que não tenha sido dado oportunidade de conhecer.

Exemplificando: eu compro um imóvel, pagando o preço e assinando a escritura pública de compra e venda, mas não registro a escritura no Cartório de Registro de Imóveis. O vendedor do imóvel, de má-fé, vende o mesmo imóvel para uma outra pessoa, que, só comprou o imóvel pois havia ido até o cartório de Registro de Imóveis e viu na certidão de matrícula do imóvel que o proprietário era o vendedor. Veja, como eu não registrei a escritura de compra e venda, a matrícula ainda consta o vendedor como proprietário do imóvel. Esse terceiro, então, compra o imóvel, assina uma segunda escritura de compra e venda e, ao contrário de mim, a registra. Quando esse terceiro vai até o imóvel, me encontra lá. Eu, para provar que sou sono, saco minha escritura e mostro a ele. Havia possibilidade do terceiro comprador ter conhecimento da compra que eu fiz? Ele precisa respeitar essa minha compra? Se o título aquisitivo (escritura de compra e venda) não foi registrado, terceiros não podem ser afetados por essa aquisição. No caso de compra e venda de imóvel, só é dono quem registra.

Uma relação contratual, seja qual for, tem valor apenas entre as partes que assinam o negócio. No caso do exemplo acima, entre o vendedor e eu existem direitos e obrigações e, por isso, poderei requerer judicialmente meu dinheiro de volta e ainda ser indenizado por conta da má-fé da venda em duplicidade. Para que os direitos que essa compra que fiz pudesse ter efeitos também para a coletividade (terceiros que não participaram da escritura e que não conhecem a relação contratual), precisa ser publicizado por meio do registro.

O registro torna cognoscíveis tais direitos, ou seja, torna-os acessíveis a qualquer pessoa que queira tomar conhecimento da existência de um direito real sobre imóvel.

Resumidamente, para a aquisição da propriedade de um imóvel não basta o simples acordo de vontades entre comprador e vendedor por meio de um contrato. A própria escritura de compra e venda de imóvel não é suficiente para transmitir o domínio. É apenas uma das etapas da operação. A transferência de propriedade de uma pessoa para outra somente ocorre com o registro do título no registro imobiliário. Antes do registro da escritura de compra e venda existe somente direito pessoal ou obrigacional entre comprador e vendedor. Somente com o registro é que surgirá o direito real, ou seja, somente com o registro o comprador se torna proprietário e passa a deter poder sobre o imóvel, surgindo a consequente oponibilidade erga omnes.

c) Aderência: os direitos reais criam um vínculo de submissão da coisa para com o titular do direito real. O direito real permanece incidindo sobre o imóvel independentemente de quantas vezes esse imóvel for vendido, por exemplo, pois os direitos reais seguem a coisa em poder de quem quer que ela se encontre. A servidão de passagem, por exemplo, assim que instalada sobre um imóvel e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, é um direito real. Não importa se o imóvel for vendido depois do registro da servidão, esse direito continuará fixada ao imóvel.

 d) Sequela: surge do princípio do absolutismo. Se posso exigir de todos que não perturbem o exercício do meu direito, nada me impede de retirar o imóvel do poder daquele que viola esse dever. Os direitos reais aderem à coisa e a persegue, fazendo com que o imóvel retorne ao poder de seu titular imediatamente.

Exemplificando: eu sou proprietário de um imóvel. João, aproveitando-se da minha ausência, aluga esse meu imóvel à Maria, e ela subloca para Pedro. Para meu direito real de propriedade, pouco importa essas locações. Para os direitos reais o proprietário desse imóvel sou eu, pois o direito de propriedade sobre o imóvel foi registrado em meu nome e assim consta na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis. O meu direito de propriedade está aderido ao imóvel (princípio da aderência) e o seguirá (princípio da sequela) não importa na mão de quem esteja. Mesmo que Pedro se encontre em poder físico sobre o meu imóvel, posso reivindicá-lo imediatamente.

O absolutismo, a publicidade, aderência e sequela dos direitos reais podem ser entendidos com um exemplo simples: pote de comida identificado na geladeira. Aqueles que viveram, ou vivem, em repúblicas ou levam alimentos para a empresa na qual trabalham, sabem como é importante marcar sua comida na geladeira com uma etiqueta com seu nome. Com a marcação todos saberão que aquele pote pertence a você e deverão abster-se de pegá-lo. Transferindo esse fato para os direitos reais, temos que o pote de alimento é o imóvel e a etiqueta é o registro, pois a etiqueta deu publicidade para que todos saibam que o pote lhe pertence. Se o pote está marcado com seu nome ninguém deve perturbar o seu direito sobre ele. O mesmo ocorre com um imóvel. Se ele está registrado em seu nome, ninguém pode perturbar o exercício do seu direito de propriedade. Logo, ninguém deve perturbar seu direito de uso, fruição, disposição e reivindicação deste imóvel (princípio do absolutismo). Os direitos reais aderem à coisa como a etiqueta adere ao pote, o seguindo a onde quer que ele seja levado independente das mãos de quem estiver (princípio da aderência e direito de sequela).

 e) Preferência: existem direito reais de garantia e o seu titular tem privilégio sobre outros credores em obter pagamento de um débito quando um imóvel lhe é dado como garantia de uma dívida. Assim, se uma pessoa tem vários credores e é executada judicialmente para pagar seus débitos, o imóvel que esse devedor deu em garantia é subtraído dessa execução coletiva, separado para pagar a dívida do credor real (titular do direito real de garantia).

A preferência é consequência da sequela. Exemplo prático: João concede seu imóvel em hipoteca – um direito real – para Maria, para garantir um empréstimo. João passa por dificuldades financeiras e acaba contraindo dívidas com diversos credores. Esse fato não tem importância jurídica para Maria, pois o imóvel que João lhe deu em garantia está afetado, separado. Se esse imóvel for à leilão para pagar os débitos de João, Maria tem preferência na ordem de pagamento após a expropriação do imóvel em hasta pública. Os outros credores só receberão se sobrar algum valor após pagamento do total da dívida com Maria.

Existem outros créditos que, como são de interesse público, tem preferência aos reais, como os créditos trabalhistas.

f) Taxatividade: só pode ser reconhecido juridicamente como direito real os que estiverem previstos na lei. São, portanto, numerus clausus, de enumeração taxativa, localizados no art. 1.255 do Código Civil e em diversas leis especiais. Assim, somente o legislador pode criar direitos reais.

g) Tipicidade: cada direito real existe de acordo seu tipo legal. Cada direto real tem suas peculiaridades definidas por lei.

h) Desmembramento: O direito de propriedade é a matriz de todos os direitos reais. Quem é proprietário tem todos os poderes sobre uma coisa, que são os poderes de usar, fruir, dispor e reaver o bem. Os demais direitos reais resultam do desmembramento do direito de propriedade, que são destacados do direito de propriedade e entregue à outras pessoas. Por isso são denominados direitos reais sobre coisas alheias.

Os direitos reais sobre coisas alheias são transitórios. Quando são extintos, o poder que existia em mãos de seus titulares retorna às mãos do proprietário, em virtude do princípio da consolidação. A consolidação significa que mesmo havendo o desmembramento do direito de propriedade em todos os outros direitos reais, a tendência natural é a união de todos os poderes da propriedade na pessoa do proprietário.

Exemplificando: quando se institui o direito real de usufruto sobre um imóvel, os poderes que o proprietário tem de usar e fruir do imóvel são transferidos para o usufrutuário, que passa a ter direito de usar e fruir de um imóvel alheio, já que o imóvel pertence ao proprietário e não a ele. Como o proprietário do imóvel deixou de ter alguns poderes da propriedade, ela passa a ser chamado de nu-proprietário, restando a ele apenas o direito de dispor e reaver. Ocorrendo a extinção do usufruto, passará o nu-proprietário a ter a propriedade plena novamente.

Pode-se entender o desmembramento dos poderes da propriedade da seguinte forma:

a) direitos reais de fruição: a superfície, a servidão, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, a concessão de uso especial para fins de moradia, a concessão de direito real de uso e o direito de laje (art. 1.255, II a VII e XI a XIII do CC);

b) direitos reais de garantia: o penhor, a hipoteca e a anticrese (art. 1.225, VIII a X).

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