STJ – Venda simulada de imóvel à terceiro para beneficiar um dos filhos pode ser anulada em até dois anos.
Resp nº 1.679.501 - GO
EMENTA: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATOS JURÍDICOS CUMULADA COM CANCELAMENTO DE REGISTRO PÚBLICO. VENDA DE BEM. ASCENDENTE A DESCENDENTE. INTERPOSTA PESSOA. NEGÓCIO JURÍDICO ANULÁVEL. PRAZO DECADENCIAL DE 2 (DOIS) ANOS PARA ANULAR O ATO. 1. Ação declaratória de nulidade de atos jurídicos cumulada com cancelamento de registro público, por meio da qual se objetiva a desconstituição de venda realizada entre ascendente e descendente, sem o consentimento dos demais descendentes, em nítida inobservância ao art. 496 do CC/02. 2. Ação ajuizada em 09/02/2006. Recurso especial concluso ao gabinete em 03/04/2017. Julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é definir se a venda de ascendente a descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico nulo ou anulável, bem como se está fulminada pela decadência a pretensão dos recorridos de desconstituição do referido ato. 4. Nos termos do art. 496 do CC/02, é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. 5. O STJ, ao interpretar a norma inserta no artigo 496 do CC/02, perfilhou o entendimento de que a alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável, cujo reconhecimento reclama: (i) a iniciativa da parte interessada; (ii) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida; (iii) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador; (iv) a falta de consentimento de outros descendentes; e (v) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado. Precedentes. 6. Quando ocorrida a venda direta, não pairam dúvidas acerca do prazo para pleitear a desconstituição do ato, pois o CC/02 declara expressamente a natureza do vício da venda – qual seja, o de anulabilidade (art. 496) –, bem como o prazo decadencial para providenciar a sua anulação – 2 (dois) anos, a contar da data da conclusão do ato (art. 179). 7. Nas hipóteses de venda direta de ascendente a descendente, a comprovação da simulação é exigida, de forma que, acaso comprovada que a venda tenha sido real, e não simulada para mascarar doação – isto é, evidenciado que o preço foi realmente pago pelo descendente, consentâneo com o valor de mercado do bem objeto da venda, ou que não tenha havido prejuízo à legítima dos demais herdeiros –, a mesma poderá ser mantida. 8. Considerando que a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes e também do cônjuge, para que seja hígida a venda de ascendente a descendente, deverá ela receber o mesmo tratamento conferido à venda direta que se faça sem esta aquiescência. Assim, considerando anulável a venda, será igualmente aplicável o art. 179 do CC/02, que prevê o prazo decadencial de 2 (dois) anos para a anulação do negócio. Inaplicabilidade dos arts. 167, § 1º, I, e 169 do CC/02. 10. Na espécie, é incontroverso nos autos que a venda foi efetivada em 27/02/2003, ao passo que a presente ação somente foi protocolizada em 09/02/2006. Imperioso mostra-se, desta feita, o reconhecimento da ocorrência de decadência, uma vez que, à data de ajuizamento da ação, já decorridos mais de 2 (dois) anos da data da conclusão do negócio. (negritei)
_______________________________________
A venda de ascendente a descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, e o interessado pode anular o ato em até dois anos.
Para que ocorra compra e venda entre ascendente e descendente, o Código Civil exige o consenso dos demais descendentes, impondo, também, a concordância do cônjuge do alienante, exceto quando o casamento se der pelo regime da separação obrigatória de bens.
Sem tais consentimentos a venda é anulável.
No caso do recurso em comento, o ascendente simulou vender o imóvel a um terceiro que, por sua vez, simulou posteriormente a venda ao descendente do alienante primitivo. Em regra, utiliza-se deste artifício porque é sabido, de antemão, que não haverá o consentimento dos demais descendentes ou do cônjuge.
O STJ entende que para anular o ato jurídico é necessário não apenas a ocorrência da venda do ascendente ao descendente sem consentimento dos demais, mas, também, da comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferir ao valor de mercado, ou, alternativamente, a demonstração do prejuízo à legítima (REsp 1.356.431/DF).
Acaso comprovada que a venda tenha sido real, e não simulada para mascarar doação – isto é, evidenciado que o preço foi realmente pago pelo descendente, consentâneo com o valor de mercado do bem objeto da venda, ou que não tenha havido prejuízo à legítima dos demais herdeiros –, a mesma poderá ser mantida. (precedentes do STJ nesse sentido: AgRg no AREsp 159.537/PA, REsp 953.461/SC, REsp 752.149/AL, EREsp 661.858/PR e REsp 476.557/PR).
O STJ entendeu que no caso de venda à descendente por intermédio de terceira pessoa também é exigido a prova da simulação, pois, se o vendedor recebeu justo preço, e o terceiro, mais tarde, transfere ao filho daquele a coisa, não se reconhece a anulabilidade.
Colhe-se da prática situações que importam na simulação como: pequeno intervalo entre a compra e a revenda; o parentesco das partes num e noutro contrato; não haver o adquirente entrado na posse da coisa; a perfeita identidade da coisa e até dos termos das respectivas escrituras de venda; igualdade de preço, excludente de lucro; não ter sido pago o preço no ato da escritura; o desinteresse dos ascendentes na ação de anulação; dificuldade em se obter o seu depoimento na causa; a interposição de parente no negócio. (...) Na prática forense, é reconhecida a simulação quando o comprador não dispõe de recursos; na hipótese de inexistência de lucro na transação; na verificação de curto espaço de tempo em que o vendedor foi proprietário; em ocorrendo a declaração de pagamento anterior; também se há concessão de vantagens excessivas ao vendedor (RIZZARDO, Arnaldo. Op. Cit. pp. 361-361).
Considerando que a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes e também do cônjuge, para que seja hígida a venda de ascendente a descendente, o STJ entendeu que deverá ela receber o mesmo tratamento conferido à venda direta que se faça sem esta aquiescência.
Assim, considerando igualmente anulável a venda, deve ser aplicado o art. 179 do Código Civil, que prevê o prazo decadencial de dois anos para a anulação do negócio.