Quando é viável ajuizar uma ação de revisão de financiamento imobiliário?
Autor: ARAUJO, Jair Benedito Carlquist Rabelo de
O financiamento imobiliário é uma das principais formas de aquisição da casa própria nos dias atuais, visto que comprar um imóvel à vista é uma realidade de poucos.
Esse financiamento é realizado por meio de um contrato pelo qual o banco ou a construtora adianta ao seu cliente os recursos necessários para a aquisição do imóvel, mediante cessão ou caução de crédito e outras garantias. O financiamento da compra contratada diretamente com o cliente terá como garantia principal a alienação fiduciária do imóvel.
A formação dessa subespécie de abertura de crédito é realizada pela modalidade contrato de adesão, ou seja, ao contrário dos contratos paritários onde as partes discutem livremente as condições, o contrato de financiamento não permite essa liberdade. Trata-se de um contrato “pré-pronto”, onde as cláusulas são previamente estipuladas pelo financiador e o cliente não pode alterá-las ou discuti-las.
Diante da possibilidade de adquirir o tão desejado imóvel, o indivíduo concorda com todas as condições impostas pelo financiador sem a devida análise para detectar as abusividades que o contrato pode conter. Nessa seara, a revisão do contrato poderá ser ajuizada, em geral, quando o financiamento apresenta taxas irregulares, tarifas excessivas e juros abusivos. Destina-se, assim, a ação revisional de financiamento imobiliário, a revisar as cláusulas do contrato realizados entre cliente e financiador para retificá-lo, amoldá-lo aos termos da lei.
Mas afinal, quando é viável ajuizar uma ação de revisão de financiamento imobiliário?
Evitando se aventurar num processo que pode durar mais de quatro anos sem certeza de vitória, para que se tenha maior chance de êxito favorável para o autor da ação, apenas deve ser ajuizada se puder provar que houve aplicação de juros compostos (juros sobre juros) no contrato de financiamento, visto que essa capitalização de juros é vedada pelo nosso ordenamento jurídico conforme prevê a Súmula nº 121 do STF:
É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.
Para provar a incorporação dos juros compostos, antes de ingressar com a ação revisional, o interessado deverá colher um laudo, elaborado normalmente por um contador, que demonstre em cálculo a utilização de juros compostos pelo financiador.
Assim, o que se provará com o referido laudo é a ilegalidade contida no contrato de financiamento imobiliário, que utilizou-se de uma tabela que incorpora os juros sobre juros ao invés de juros simples, com fundamento no art. 4º do Decreto n. 22.626/33, denominada Lei de Usura, e a citada Súmula nº 121 do STF.
Prevê o art. 4º da Lei de Usura, que dispõe sobre os juros nos contratos:
É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
Portanto, ainda que mensais, os juros devem ser separados do capital e só incluídos nele ao final de cada ano e, ainda assim, desde que essa forma tenha sido convencionada. Como se vê, a única possibilidade de capitalização é a inclusão ao capital dos juros vencidos depois de um ano (para que renderem juros no próximo ano).
Os juros contados de forma composta (contagem de juros sobre juros, ou juros capitalizados) se acumulam com o principal para a contagem de novos juros. Essa prática é denominada anatocismo e agrava a situação do devedor. Por isso, o art. 4º da Lei de Usura, como visto, proíbe sua prática com periodicidade inferior à anual em qualquer espécie de contrato.
Na ação revisional de financiamento imobiliário cabe pedido de antecipação de tutela de urgência para que o interessado na revisão possa iniciar o pagamento das parcelas em juízo nos valores recalculados (com os descontos decorrentes dos valores ilegais) conforme vêm admitindo os Tribunais.
Isso extrai-se do art. 50 “caput” e § 1º da lei n. 10.931/04:
Art. 50. Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia.
§ 1º O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.
Assim, a petição inicial deverá indicar o valor incontroverso, que deverá continuar sendo pago, pois, como prevê o citado art. 50 da Lei n. 10.931/04, dar continuidade no pagamento é fundamental para que não se perca o direito e ponha em risco a aquisição do imóvel. Jamais deve-se deixar de cumprir com a obrigação do pagamento das parcelas do financiamento.
Quanto ao pagamento dos valores abusivos já realizado pelo autor da ação, entende-se que estes tratam-se de pagamento indevido, um enriquecimento sem causa (arts. 876 a 886 do Código Civil).
De fato, o art. 876, do Código Civil, determina que “todo aquele que recebeu o que não lhe era devido, fica obrigado a restituir”. Essa restituição far-se-á por uma ação denominada ação de repetição de indébito (aquilo que é indevido).
Assim, há possibilidade de autorizar a intervenção do Judiciário nos negócios privados, para eliminar práticas e cláusulas abusivas, ilegalidades que comprometem o equilíbrio contratual. Contudo, o profissional no ramo do direito imobiliário não deve incentivar aventuras jurídicas e no caso da ação revisional de financiamento imobiliário só haverá chance de êxito favorável ao cliente quando se provar a utilização de juros compostos, pois é no exame do caso concreto, da relação contratual e dos fatos, que se apurarão ou não ilicitudes a merecer desconstituição.
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